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2024-01-29 13:47:49

AlexandreCosta on Nostr: Autocensura e destruição da linguagem Todo totalitarismo começa pela linguagem. A ...

Autocensura e destruição da linguagem

Todo totalitarismo começa pela linguagem. A transformação dos sentidos e significados e o uso sistemático de palavras e expressões calculadas para influenciar mentalidades e, desta forma, preparar o ambiente para futuras decisões totalitárias, sempre esteve presente no desenvolvimento de regimes ditatoriais.
O movimento revolucionário depende dessa estratégia para fortalecer suas posições, mascarar suas intenções e avançar a sua agenda. Foi assim na União Soviética, que inicialmente instrumentalizou a insatisfação popular com o czarismo por meio de palavras de ordem concatenadas de maneira a formar um imaginário antimonárquico, foi assim na Alemanha de Hitler, que inicialmente desumanizou a imagem dos judeus para que no momento adequado a população estivesse suficientemente dessensibilizada a ponto de aceitar a repressão, a perseguição, os campos de concentração e a “solução final”. E se analisarmos com atenção o desenvolvimento de todo regime totalitário iremos encontrar esse mesmo modus operandi.
A manipulação da fala tem o objetivo de preparar o terreno para a escalada totalitária, pois com a linguagem aparelhada fica mais fácil subverter toda estrutura política e cultural de uma sociedade.
Estamos presenciando essa prática mais uma vez. E agora com um agravante derivado do aperfeiçoamento do método. Esse aperfeiçoamento diz respeito ao foco do aparelhamento. Se antes o ataque à linguagem era algo exclusivamente externo, atualmente vemos essa pressão se originar de dentro pra fora.
Nas experiências totalitárias do século XX a opressão partia de agentes políticos e mirava os indivíduos e o ambiente social, seja pelo convencimento e persuasão em variados níveis, seja pela obrigação legal ou por meio da força bruta. Hoje temos o próprio sujeito como alvo e emissor do ataque ao mesmo tempo.
Desde o advento do politicamente correto uma nova forma de instrumentalização da linguagem tem facilitado o trabalho daqueles que pretendem construir um ambiente que permita a implantação de uma agenda totalitária.
Esse processo, que pode ser representado pelo patrulhamento de toda e qualquer palavra proferida em público, se desenvolve e se instala na sociedade de forma a penetrar cada conduta e cada mentalidade, terminando por internalizar como sentimento imperceptível que se revela em cada comportamento e em cada raciocínio.
Com o patrulhamento internalizado, passamos a estudar cada termo utilizado, reprimindo, substituindo ou inovando o vocabulário com o objetivo de adequação a um “padrão” supostamente “aceitável”, para evitar conflitos ou para agradar determinada tendência ideológica – visível ou camuflada.
Diante da ameaça, velada ou ostensiva, de uma punição ou de qualquer forma de represália, passamos instintivamente a reprimir a nossa fala, calculando cada termo na esperança de assim conseguir passar a mensagem sem sofrer as consequências, na maioria das vezes imaginárias.
Quando passamos a obedecer a essa patrulha abandonamos a espontaneidade e então toda comunicação torna-se artificial, criando um discurso vazio, apenas aparentemente coerente, revestido de uma camada que mescla superficialidade, imprecisão e cinismo.
A censura quase sempre extrapola o indivíduo censurado e influencia decisivamente o comportamento de todo seu entorno. Por medo ou por preguiça intelectual, muitos abandonam o foco e a essência original da expressão livre e independente, e com isso o objetivo de informar transforma-se em ato hipócrita, vazio e inócuo.
Nesse sentido, podemos dizer que a censura atinge o âmago de toda sociedade e funciona como uma graduação do terrorismo, que atinge seu objetivo quando alcança um circulo muito maior do que a área atacada. Além das vítimas diretamente alvejadas, ainda espalha o medo que vai reprimir e intimidar muito mais pessoas.
Décadas de politicamente correto prepararam o ambiente para a transformação que estamos presenciando. Se antes o medo da censura estava diretamente relacionado a alguma punição, agora esse pavor já faz parte da psique e não depende tanto dessa pressão externa.
A autocensura, originada por essa tentativa de adequação a um padrão estabelecido pelo ambiente social, pelos agentes repressores ou simplesmente pelas “normas da comunidade” apregoadas pelas plataformas das redes sociais, além de funcionar como o terror atenuado e diluído, ainda perverte a própria personalidade ao esmagar a individualidade, corroer a segurança e a confiança nos sentidos e na capacidade de percepção da realidade. E a normalização da autocensura serve também de termômetro para a observação do ambiente que vivemos, tanto pelos aspectos sociais, quanto pelos psicológicos.
Embora a manipulação da linguagem dificulte a disseminação de informações verdadeiras e relevantes, ela sempre oferece uma oportunidade para a previsão dos próximos passos.
Como sabemos que esse processo costuma anteceder a censura radical e a perseguição, podemos deduzir que estamos avançando rapidamente, e sem qualquer chance aparente de retorno, para um mundo cada vez menos livre, com uma linguagem cada vez menos precisa e significativa, e com pessoas cada vez mais inseguras e frágeis, dispostas a reprimir suas palavras e ideias e a aceitar qualquer iniciativa totalitária.

(Trecho do livro Um copo de Red Pill - Vide Editorial 2020 - Alexandre Costa)
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