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2024-06-05 15:35:48

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A substituição dos heróis

A civilização ocidental foi construída sobre alicerces bem definidos e facilmente observáveis. Um arranjo entre tradições herdadas de sociedades mais antigas, aprimoradas por elementos introduzidos pelo Cristianismo.
Dos gregos herdamos a filosofia, as noções de lógica e as distinções entre física e metafísica. Os romanos nos emprestaram a sua organização social, o Direito e algumas estruturas governamentais. E a moral Cristã preencheu estas “formas”, dando a elas o conteúdo copiado ou deduzido das Escrituras, sob o prisma dos Evangelhos e das Cartas que O anunciaram.
Mesmo pertencendo a diferentes categorias, as três principais influências da nossa formação social possuem um aspecto em comum: a importância do herói.
Na Grécia Antiga existia um conjunto de iniciativas pedagógicas, culturais e morais, a Paidéia, que visava formar o cidadão honrado, leal e capaz de exercer as suas funções visando o bem comum e a elevação pessoal, seja para melhorar sua relação com a cidade e os seus semelhantes, seja na busca pelo transcendente. Em Roma existiu algo parecido. Embora mais pragmática, a Humanitas Romana também tinha o objetivo de ensinar e promover hábitos e comportamentos considerados adequados à vida em sociedade. Muito além da educação convencional, que era apenas uma parte do amplo aparato de formação, a Paidéia e a Humanitas buscavam inserir, nos indivíduos e na cultura, os traços de caráter e personalidade encontrados nos heróis da História e das mitologias. É verdade que bem antes das cidades gregas e romanas já existia a figura do herói influenciador da sociedade, como podemos ver na Epopéia de Gilgamesh, o poema épico encontrado na Mesopotâmia, em escrita cuneiforme, a mais antiga que se conhece. Gregos e romanos, no entanto, elevaram a posição do herói a um novo patamar ao incluir as narrativas de Homero e o pensamento de homens como Cícero como norteadores da cultura de toda sociedade. A aprovação social estava diretamente relacionada à imitação da coragem, da honestidade intelectual e retidão moral de pessoas como Aquiles e Heitor, para os gregos, e do soldado exemplar, para os romanos. E até mesmo os erros e os defeitos dos heróis eram aproveitados como exemplos no aprendizado.
A importância do herói também pode ser observada com muita clareza nas Escrituras, e de forma ainda mais impactante, tendo em vista que vários personagens vencem desafios aparentemente intransponíveis, que só poderiam ser superados com alguma ajuda divina. No Velho Testamento, por exemplo, Deus escolhe os improváveis Moisés, para liderar o povo hebreu, e Davi, para vencer Golias.
Nos Evangelhos temos um salto. A narrativa não trata de mais um herói, mas do Herói Máximo, que alcança todas as possibilidades humanas e as supera de maneira até mesmo incompreensível. E às virtudes heroicas acrescenta as qualidades divinas da Onipresença, Onipotência e Onisciência. Inspirado na figura de Jesus Cristo, o Ocidente expande a idéia do heroísmo e preenche a forma dos antigos com o conteúdo mais profundo dos Evangelhos: Fé, Esperança e Caridade.
Se a presença do herói no imaginário de uma sociedade influencia o ambiente cultural, parece claro que o perfil destes personagens deve contribuir para a formação dos ideais e dos limites de conduta desta sociedade. E como é neste ambiente que são cozidas as mentalidades, todas as decisões, coletivas ou privadas, estarão sob a influência do caráter do herói.
Substituir os heróis tem sido algo comum ao longo da História. Personagens e idéias sempre são trocados por representantes ou representações de virtudes desejadas por um determinado zeitgeist . Na Alemanha nazista foi assim, no socialismo foi e é assim. Todo totalitário precisa recriar o ambiente cultural, para gravar no imaginário o novo conjunto de idéias, a ideologia. Como não há instrumento imaginativo mais eficiente do que as narrativas heroicas, a substituição dos personagens costuma ser uma das iniciativas mais usadas pelos movimentos revolucionários. Exatamente por esse motivo o culto à personalidade não é simplesmente uma atitude vaidosa e megalomaníaca, mas consiste em um elaborado ato político estratégico, com alcance cultural e psicológico, e por isso mesmo foi e é incentivado por todos os ditadores, de Hitler, Lênin, Stálin e Mao, a Fidel, Pol Pot e Kim Jong-um.
Infelizmente as iniciativas que visam trocar os heróis e os conceitos de heroísmo não se restringem às narrativas visíveis e declaradas. Muitos elementos mais complexos ou mais sutis fazem parte desse conjunto de instrumentos utilizados para moldar o imaginário, seja para construir novos paradigmas, seja para desconstruir os anteriores – que devem ser destruídos para possibilitar a sua completa substituição.
São inúmeros os exemplos de iniciativas que pretendem criar um ambiente propício para o surgimento de novos heróis no imaginário: dos mais gritantes, como os incontáveis filmes, revistas e desenhos de super-heróis do tipo Marvel e DC Comics aos mais discretos, como os discursos recheados de conceitos de despersonalização, que desprezam a personalidade individual e real e elogiam tudo que é coletivo e abstrato, como ideologias e partidos .
No Brasil a desconstrução da imagem dos heróis nacionais já ocorria na Proclamação da República. Personalidades ligadas de alguma forma à Monarquia foram esquecidas ou tiveram suas biografias distorcidas. O relato dos heróis antigos passou a ser gradativamente ignorado nos registros, no debate público e nas escolas. Até mesmo a simbologia que restava nas cédulas foi perdida: os rostos dos grandes homens que construíram a nossa História foram substituídos por plantas e animais, em uma espécie de idolatria pagã. Ao mesmo tempo, enquanto ignoravam o passado real e assassinavam a reputação daqueles que construíram a nossa nação, passaram a valorizar os anti-heróis, inicialmente os cafajestes, depois os “marginais” – aqueles que estão à margem da sociedade, como queria Herbert Marcuse e outros autores da Escola de Frankfurt. Por fim, trilhando esse caminho por muitas décadas, chegamos à Bandidolatria dos nossos dias, que também pode ser entendida como o estágio final da completa inversão dos valores.
A substituição dos heróis é um ato revolucionário que procura criar um novo imaginário, de forma a substituir também os parâmetros que norteiam a sociedade e a alma do indivíduo. Resistir à revolução cultural em marcha requer a restauração dos heróis, em especial O Herói Máximo, Nosso Senhor Jesus Cristo.


Alexandre Costa
Artigo publicado no livro Um copo de Red Pill (Vide Editorial, 2022).
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