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Biochar: O que é e qual seu potencial de uso na Agricultura?
Sumário
O biochar ou biocarvão é um material sólido rico em carbono, produzido a partir da pirólise de biomassa, que possui alta porosidade, grande área de superfície específica e é rico em grupos funcionais carregados negativamente – características que potencializam seu uso em ecossistemas agrícolas.
O que é o biochar ou biocarvão e como ele é produzido?
O termo biochar é a união das palavras em inglês biomass (biomassa) e charcoal (carvão), e identifica um material rico em carbono (biocarvão) obtido por um processo de conversão térmica da biomassa de origem vegetal ou animal, na ausência ou em baixas quantidades de oxigênio.
Pirólise, gaseificação, carbonização (rápida ou hidrotermal) e torrefação são os métodos mais comuns de conversão térmica para a preparação do biocarvão, sendo o primeiro o mais utilizado (Figura 1).
Processos que podem ser utilizados para a obtenção do biochar
Figura 1. Processos que podem ser utilizados para a obtenção do biochar. Fonte: Adaptado de Wang & Wang, 2019.
A pirólise refere-se ao processo em que a matéria-prima de biomassa é submetida à conversão térmica em ambiente com limitação de oxigênio a temperaturas geralmente entre 250 e 900 °C. Ou seja, é a carbonização controlada da biomassa vegetal. Como não há oxigênio no processo de combustão a biomassa não queima, mas carboniza (e assim “absorve” o carbono).
Durante o processo de pirólise, os compostos orgânicos presentes na biomassa são divididos termoquimicamente. Juntamente com o biochar são produzidos água, calor e uma mistura de gases inflamáveis (H2, CO, CO2, CH4, e outros hidrocarbonetos).
Estes gases inflamáveis são convertidos em energia e reutilizados no processo de produção do biocarvão. O calor produzido também é utilizado.
Se a biomassa fosse queimada ou apodrecesse naturalmente no ambiente, o C seria liberado para o ambiente na forma de CO2. Com a pirólise o C permanece no biochar e é devolvido ao ambiente. Na produção do biochar ocorre justamente o oposto, o carbono fica retido no material orgânico e é devolvido ao solo.
Agronomicamente, podemos definir o biocarvão ou biochar como a biomassa carbonizada sob atmosfera pobre em oxigênio cuja finalidade é o uso agrícola, visando a captura de carbono no solo e a melhoria de suas propriedades físico-químicas.
São necessários cerca de 449 ~ 1847 dólares para produzir 1 tonelada cúbica de biochar em larga escala, o que é comparável a outros fertilizantes do solo e agentes de imobilização (Nematian et al. 2021).
Diferença entre biocarvão e carvão vegetal?
O biocarvão é produzido a partir de biomassa mais homogênea (picada) sob condições controladas de temperatura e baixa disponibilidade de oxigênio, ao passo que a produção de carvão vegetal ocorre via queima natural sob condições não controladas de temperatura e disponibilidade de oxigênio, sendo o material composto por uma maior diversidade de espécies vegetais e tamanhos.
Matéria-prima do biochar ou biocarvão
Várias matérias-primas podem ser usadas para produzir o biocarvão, incluindo uma grande variedade de materiais (Liu et al., 2020; Wang et al., 2023), incluindo:
Resíduos vegetais (talos de milho, caules de algodão, palha de trigo, bagaço e palha de cana, casca de arroz),
Resíduos de jardim (folhas, madeira e grama),
Resíduos municipais (lodo, resíduos de pneus e resíduos alimentares) madeira, resíduos animais (carcaça, ossos) entre outros
A qualidade do biocarvão, porém, é afetada pelo processo de produção adotado (pirólise lenta, pirólise rápida, gaseificação, carbonização hidrotérmica) e pelo material utilizado na sua produção (que sofrem variação nos teores de lignina, celulose, hemicelulose e nutrientes).
As diferenças na qualidade do biocarvão refletem nas respostas, agronômicas e ambientais, obtidas quando da aplicação do produto no solo, assim como o tipo de solo e a cultura também respondem diferentemente a esses materiais.
Interesse crescente por biocarvão
Dentre as vantagens do biocarvão inclui-se o alto teor de carbono, a alta capacidade de troca catiônica e a grande área de superfície e estrutura de estabilidade. Justamente por isso, o produto atraiu atenção crescente evidenciada pelo número crescente de artigos publicados sobre biochar nos últimos anos (Figura 2).
Esse crescente interesse nas últimas décadas está acompanhado pelo aumento do interesse em temas como “estoques e créditos de carbono”, tanto em função das mudanças climáticas como das diretrizes da agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável.
Número de artigos publicados sobre biochar até o ano de 2018
Figura 2. Número de artigos publicados sobre biochar até o ano de 2018. Fonte: Wang & Wang (2019).
A conversão de biomassa em biocarvão é a forma biológica de captura e armazenamento de carbono, que não será suficiente, mas ajuda a reduzir as emissões de GEE e atender ao objetivo global de dois graus da política climática.
A conversão de biomassa (de plantas ou fluxos de resíduos) em biocarvão é uma maneira ecologicamente atraente de ligar o CO2 e armazená-lo permanentemente abaixo do solo.
Em tempos de mudanças climáticas, soluções para o armazenamento de carbono são mais necessários do que nunca.
Propriedades do biochar
O Biochar tem recebido atenção crescente devido às suas características únicas, como alto teor de carbono e capacidade de troca catiônica, grande área de superfície específica, além de estrutura estável e forte capacidade de adsorção.
O biochar é usado como adsorvente no solo para remover contaminantes orgânicos (pesticidas, corantes, poluentes orgânicos persistentes e antibióticos, etc.), metais pesados (como chumbo, arsênio, cádmio, mercúrio e crômio) e reter íons inorgânicos (fosfato, nitrato e amônio) de águas residuais e remediar solos contaminados por contaminantes orgânicos e metais pesados (Figura 3).
Possíveis utilizações do biochar
Figura 3. Possíveis utilizações do biochar. Fonte: Adaptado de Wang & Wang, 2019.
Além disso, o biocarvão é adicionado ao solo para aumentar a fertilidade do solo, promover o sequestro de carbono e mitigar a emissão de gases de efeito estufa
O biochar de alta qualidade tem uma estrutura muito porosa e uma grande superfície de abrangência. Apenas 1 g pode ser suficiente para uma área de até 300 m2. Funciona como uma esponja e absorbe até 5 vezes o seu peso de água, assim como os nutrientes absorvidos nela.
Assim, o biochar pode comprovadamente melhorar as propriedades do solo.
Armazena água, nutrientes e reduz emissão de gases do efeito estufa.
A grande parte dos trabalhos que utilizam biochar, contudo, são experimentos de laboratórios e em vaso e o maior desafio é implementar o uso do biocarvão na agricultura.
Benefícios do Uso do Biocarvão
Uma das principais finalidades do biocarvão é a aplicação no solo, funcionando como fertilizante e condicionante agrícola, onde ele atua principalmente melhorando a agregação do solo, a retenção de nutrientes, a remediação de contaminantes e favorecendo os microrganismos do solo (Figura 4).
Benefícios do biochar.
Figura 4. Benefícios do biochar. Traduzido de Vithanage et al., 2013.
Biochar aplicado a até 10 cm de profundidade do solo pode diminuir o potencial de desnitrificação e diminuir a emissão de N2O, controlando grandemente a lixiviação de nutrientes móveis, como o K, melhorando assim a eficiência do uso da água, a disponibilidade de nutrientes e o crescimento das plantas.
Além disso, reduz a lixiviação de nitrogênio nas águas subterrâneas e aumenta a retenção de água e a capacidade de troca catiônica, ao mesmo tempo em que modera a acidez do solo, resultando em melhor fertilidade do solo (Panwar et al., 2019).
Outra característica importante do biocarvão é a contribuição para a recuperação do solo, já que ele pode proporcionar um aumento no pH e na disponibilidade de boro, cálcio, potássio e fósforo, e outros nutrientes, melhorando a condição do ambiente de crescimento das raízes.
O Biochar também é eficaz contra algumas doenças causadas por fungos, reduzindo a necessidade de uso de fungicidas e inseticidas (Silva et al., 2020).
Uso de Biocarvão na Agricultura
O Biochar vêm ganhando atenção global no setor agrícola nos últimos anos, devido às suas propriedades físicas e químicas, que o fazem se destacar como um dos principais impulsionadores da mitigação das mudanças climáticas e da agricultura sustentável.
Os resíduos gerados na agricultura e na indústria fornecem matéria-prima com potencial de utilização para a produção de biocarvão. A conversão dessa biomassa residual em biocarvão fornece uma solução para alcançar o sequestro de carbono a longo prazo e também tantos outros efeitos benéficos sobre as propriedades do solo e ambientais.
Inicialmente, o biochar foi produzido para aplicações em remediação de solo, fertilizante ou no sequestro de carbono. Em alguns casos, como após a adsorção de contaminantes contendo nitrogênio e fósforo (NP), o biochar pode ser reutilizado como fertilizante, promovendo a melhora do solo e dando continuidade ao seu ciclo de produção e aplicação (Figura 4).
Ciclo de produção e aplicação do biochar como fertilizante
Figura 4. Ciclo de produção e aplicação do biochar como fertilizante. Fonte: Tan et al. 2015.
Pesquisas Nacionais com Biochar
Buscando soluções para reduzir a dependência do Brasil por fertilizantes, uma nova pesquisa desenvolvida pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), com parceiros nacionais e internacionais, desenvolveu uma técnica de produção de biocarvão (biochar) de forma mais simples e eficiente.
A pesquisa baseia-se em um método dos indígenas pré-colombianos, que faziam a combustão parcial dos resíduos orgânicos misturados ao solo de cultivo, criando a terra conhecida como Terra Preta de Índio.
Além da qualidade em fertilidade, essa nova técnica possibilita a liberação gradativa de nutrientes absorvidos, permitindo que as plantas adquiram as substâncias ao longo do seu desenvolvimento.
Tanto a técnica para a obtenção do biochar quanto sua caracterização estão bem estabelecidas. No entanto, são necessários parceiros para desenvolver o produto em escala comercial, colocá-lo no mercado e comercializá-lo.
Outro estudo realizado na Embrapa Meio Ambiente com biocarvão mostrou que seu uso no solo aumenta a biomassa microbiana, promove o crescimento das plantas e reduz a severidade da murcha de Fusarium no tomate, além de mitigar as mudanças climáticas.
Conclusões
O Biochar ou biocarvão apresenta soluções interessantes do ponto de vista de ambiental de captura e armazenamento de carbono no solo e também do ponto de vista agronômico, por possuir alta porosidade, capacidade de retenção de cargas e superfície específica que pode ser benéfico para inúmeros processos agrícolas como retenção de cátions de interesse, fornecimento de nutrientes, retenção de água e diversos outros processos.
O biocarvão ainda possui estudos em pequena escala e custo relativamente elevado de produção, mas possui elevado potencial de utilização e de interesse no futuro