Zardel on Nostr: A Crucificação - Santo Souza Mestre, eis que mias uma vez vim sentar-me à tua ...
A Crucificação
- Santo Souza
Mestre, eis que mias uma vez
vim sentar-me à tua mesa.
Tenho a mesma palidez
na face e a mesma tibieza
no olhar. Não temas. Lá fora
o mundo geme arrastando
máquinas, homens. Outrora,
pegaste alguém negociando
teu corpo. Mas tu, Senhor,
bem sabes: fui eu o traidor.
E viste Jerusalém
desperta, ao bater de nossos
punhos e pés contra o teu
rosto. Caíste e ninguém
te sustentou. (Ah, teus ossos
eram fortes como o ferro
dos fundamentos do céu!)
Mestre, perdoa-me se erro
ou se te afronto: eu ali
fui verdugo, e te bati.
Despedacei tua túnica
(e era ela, Senhor, a única
em nossa miséria). Entretanto,
flagelei teus pequeninos.
Dei-lhes pedra, dei-lhes pranto,
ódio, fel ao coração,
e fiz ladrões, assassinos.
Ao vê-los cair de fome,
neguei-lhes tudo: amor, pão…
— Lancei cinzas ao teu nome.
Senhor, eu não me envaideço
de te haver acompanhado,
sendo teu filho ou irmão: cresço
na tua angústia. Lavado
com teu sangue. E bebo a tua
palavra. Mas isto não
faz com que meu coração
insubmisso de homem exclua
teu grande pesar divino:
—fui também teu assassino.
Published at
2024-08-17 01:16:27Event JSON
{
"id": "da36c533f2399ed0f56cdf19ff0956d10424f7825e64e9bc337557446ba15db0",
"pubkey": "557c650b7009f3ed6b0489516e088e48359e9cae6ea08672e7f91c31b04c6817",
"created_at": 1723857387,
"kind": 1,
"tags": [],
"content": "A Crucificação \n- Santo Souza \n\nMestre, eis que mias uma vez\nvim sentar-me à tua mesa.\nTenho a mesma palidez\nna face e a mesma tibieza\nno olhar. Não temas. Lá fora\no mundo geme arrastando\nmáquinas, homens. Outrora,\npegaste alguém negociando\nteu corpo. Mas tu, Senhor,\nbem sabes: fui eu o traidor.\n\nE viste Jerusalém\ndesperta, ao bater de nossos\npunhos e pés contra o teu\nrosto. Caíste e ninguém\nte sustentou. (Ah, teus ossos\neram fortes como o ferro\ndos fundamentos do céu!)\nMestre, perdoa-me se erro\nou se te afronto: eu ali\nfui verdugo, e te bati.\n\nDespedacei tua túnica\n(e era ela, Senhor, a única\nem nossa miséria). Entretanto,\nflagelei teus pequeninos.\nDei-lhes pedra, dei-lhes pranto,\nódio, fel ao coração,\ne fiz ladrões, assassinos.\nAo vê-los cair de fome,\nneguei-lhes tudo: amor, pão…\n— Lancei cinzas ao teu nome.\n\nSenhor, eu não me envaideço\nde te haver acompanhado,\nsendo teu filho ou irmão: cresço\nna tua angústia. Lavado\ncom teu sangue. E bebo a tua\npalavra. Mas isto não\nfaz com que meu coração\ninsubmisso de homem exclua\nteu grande pesar divino:\n—fui também teu assassino.",
"sig": "3b5000934fe8ffe1d83ea2f2eeb71e0e189cc7689aea741006d61aef66e9e5782705a047ab193b1c7107e37995fb8aa949060713dd113c70b0623078e16f9aa9"
}