Why Nostr? What is Njump?
2024-11-02 09:01:59
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𝚋𝚊𝚝𝚜𝚒𝚚 on Nostr: ...

GALO GALO
(Ferreira Gullar)



O galo
no salĂŁo quieto.

Galo galo
de alarmante crista, guerreiro,
medieval.
 
De cĂłrneo bico e
esporÔes,  armado 
contra a morte,
passeia.

Mede os passos.  Påra.
Inclina a cabeça coroada
dentro do silĂȘncio
— que faço entre coisas?
— de que me defendo?

Anda.
no saguĂŁo.
O cimento esquece
o seu Ășltimo passo. 
 
Galo: as penas que
florescem da carne silenciosa
e duro bico e as unhas e o olho
sem amor. Grave
solidez.
Em que se apĂłia
tal arquitetura ?

SaberĂĄ que, no centro
de seu corpo, um grito
se elabora ? 

Como,  porém, conter,
uma vez concluĂ­do,
o canto obrigatĂłrio ?
 
Eis que bate as asas, vai
morrer, encurva o vertiginoso pescoço
donde o canto rubro escoa

Mas a pedra, a tarde,
o prĂłprio feroz galo
subsistem ao grito.

VĂȘ-se:  o canto Ă© inĂștil.

O galo permanece — apesar
de todo o seu porte marcial — 
sĂł, desamparado,
num saguĂŁo do mundo.
Pobre ave guerreira!
 
Outro grito cresce
agora no sigilo
de seu corpo; grito
que, sem essas penas
e esporÔes e crista
e sobretudo sem esse olhar
de Ăłdio,
nĂŁo seria tĂŁo rouco
e sangrento.


Grito, fruto obscuro
e extremo dessa ĂĄrvore: galo.
Mas que, fora dele,
é mero complemento de auroras. 


[SĂŁo LuĂ­s, abril de 1951]

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